sábado, 15 de junho de 2013

Três textos primorosos do Percival Puggina



TRUCULÊNCIAS INSTITUCIONAIS
Percival Puggina

Entramos numa fase institucional marcada pela truculência. Começam a tramitar leis e emendas à Constituição que não visam o bem do país. São propostas que só se viabilizam por expressarem ressentimentos, desejos de vingança e projetos de poder. A Proposta de Emenda à Constituição Nº 33 (PEC 33), por exemplo, aponta um problema real, mas atira belicosamente nas asas do Supremo, que no entender dos seus subscritores alça voos de intolerável autonomia (leia-se julgamento do mensalão). O velho revanchismo rabugento volta e meia esquece o Lexotan e sai virando mesas e cadeiras.
Outra PEC, a de número 37, pretende mudar a Constituição para atribuir exclusivamente às instituições policiais as tarefas de "apuração das infrações penais". Dessa exclusividade decorre, principalmente, que o Ministério Público não poderá mais promover investigações criminais. A proposta vai somando apoios graças à contrariedade de muitos parlamentares com o protagonismo alcançado pelo MP em ações que alcançam figuras poderosas da República. Pergunto: num país em que já se estabeleceu, com lucros e dividendos, a soberania da alta criminalidade, nítido poder paralelo, vencedor de todos os confrontos com a desguarnecida sociedade, a quem interessa reduzir ainda mais a capacidade de investigação criminal?
Outra recente evidência desse modo brutamontes de legislar, a toque de caixa, para a conveniência política do momento, é fornecida pelo PL 4470/2012. Esse projeto impede que os deputados que adiram a um novo partido possam carregar para ele as frações de tempo de tevê e do Fundo Partidário que lhes corresponda. Como a criação do PSD convinha ao governo, o partido nasceu em berço de ouro. Como o partido de Marina Silva não interessa, tratam de abortá-lo. Que tal? Eram contra o Golbery, mas aprenderam muito com ele! Transformado em lei esse projeto atropela e quebra as pernas da ex-senadora que transitava em busca de espaço para a corrida presidencial de 2014. O pesadelo atual de Dilma Rousseff, que vê surgir Eduardo Campos dentro de seu quadrado é ter também Marina Silva colhendo votos na seara do Norte e Nordeste do país.
O Brasil esgotou as possibilidades de tomar jeito com o atual formato de suas instituições. Quem sabe juntar "b" com "a" para fazer "ba" percebe isso. Império da Lei, entre nós, poderia ser nome de escola de samba. Nosso modelo não estimula condutas civilizadas. O governo legisla (e como! e quanto!). Os congressistas se convertem em distribuidores de verbas. Não é sem motivo, então, que se expande o ativismo judiciário, ou que a política se vai judicializando. Os partidos se assemelham a agências de emprego e vão ficando todos iguais. O Estado padece de hipertrofia e ineficiência. A administração pública e o próprio Estado são permanentemente aparelhados pelo governo em decorrência da fusão, em uma só pessoa, de três funções que obviamente são distintas entre si. Os freios e contrapesos sugeridos pela ciência política para contenção dos poderes de Estado se converteram em um sistema de preço e sobrepreço. As relações internacionais não são pilotadas pelo interesse da Nação, mas pelas afeições ideológicas do partido dirigente. Consagrou-se a prática de perder a eleição e aderir ao vencedor. A oposição mirra. Uma usina de escândalos opera em regime de 24 por 24 horas nos vários níveis do governo e da administração.
Infelizmente, nossa vida institucional continuará assim como a vemos, de mal a pior, enquanto permanecermos condenando os fatos e concedendo alvará de soltura às causas.

Zero Hora, 5 de maio de 2013


PEDAGOGIA DO CRIME
Percival Puggina

A primeira e principal lição foi sendo ministrada aos poucos. Era difícil, mas não impossível. Tratava-se de fazer com que a sociedade ingerisse enrolada, como rocambole, a ideia de que a criminalidade deriva das injustiças do modelo social e econômico. Aceita essa tese, era imperioso importar alguns de seus desdobramentos para o campo do Direito. Claro. Seria perverso tratar com rigor ditas vítimas da exclusão social. Aliás, a palavra "exclusão" e seu derivado "excluído", substituindo "pobre" e "pobreza", foram vitais para aceitação da tese e sua absorção pelo Direito Penal.
Espero ter ficado claro aos leitores que a situação exposta acima representa uma versão rasteira da velha luta de classes marxista. Uma luta de classes por outros meios, travada fora da lei, mas, paradoxalmente, sob sua especial proteção. Por isso, a impunidade é a aposta de menor risco desses beligerantes. Por isso, no Brasil, o crime compensa. Por isso, também, só os muito ingênuos acreditarão que um partido que pensa assim pretenda, seriamente, combater a criminalidade. Afine os ouvidos e perceberá o escandaloso silêncio, silêncio aliás de todos os poderes de Estado sobre esse tema que é o Número Um entre nós. Ou não?
Portanto, olhando-se o tecido social, chega-se à conclusão de que o grande excluído é o brasileiro honesto, quer seja pobre ou não. O outro, o que enveredou para as muitas ramificações do mundo do crime, leva vida de facilidades sabendo que tem a parceria implícita dos que hegemonizam a política nacional. Nada disso estaria acontecendo sem tal nexo.
Viveríamos uma realidade superior se o governo construísse presídios, ampliasse os contingentes policiais e equipasse adequadamente os agentes da lei, em vez de gastar a bolsos rotos com Copa disto e daquilo, trem bala, mordomias, comitivas a Roma e por aí vai. Viveríamos uma realidade superior se o Congresso produzisse um Código Penal e um Código de Processo Penal não benevolentes, não orientados para o descumprimento da pena, mas ordenados à sua rigorosa execução. Viveríamos uma realidade superior se os poderes de Estado incluíssem entre os princípios norteadores de suas ações a segurança da sociedade e os direitos humanos das vítimas da bandidagem. Viveríamos uma realidade superior se o Direito "achado nas ruas", que inspira ideologicamente a atuação de tantos magistrados, fizesse essa coleta nas esquinas, mas ouvindo os cidadãos, os trabalhadores, os pais de família, em vez de sintonizar a voz dos becos onde a criminalidade entra em sintonia com a ideologia.
O leitor sabe do que estou tratando aqui. Ele reconhece que, como escrevi recentemente, já ocorreu a Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Perdemos a guerra. O crime já venceu. Estamos na fase de requisição dos despojos que devem ser entregues aos vencedores.  Estamos pagando, em vidas, sangue e haveres, a dívida dos conquistados. Saiba, leitor, que a parcela da esquerda que nos governa há mais de duas décadas, mudando de nome e de pêlo, mas afinada, em tons pouco variáveis pelo mesmo diapasão ideológico, está convencida de que se trata disso mesmo. É a luta de classe por outros meios e com outros soldados. Queixemo-nos ao bispo, se o bispo não cantar na mesma toada.
É a pedagogia do crime. Ela já nos ensinou a não reagir. Ela já nos disse que a posse de armas é privilégio do bandido. Ela já advertiu os policiais sobre os riscos a que se expõem ao usar as suas. Ela já nos mostrou que não adianta reclamar: continuaremos sem policiais, sem presídios, sem uma legislação penal que sirva à sociedade e não ao bandido. Isso tudo já nos foi evidenciado. Trata-se, agora, de entender outras ordens do poder fora da lei. Devemos saber, por exemplo, que esse poder se enfurece quando encontra suas vítimas com tostões no bolso. O suposto direito nosso de carregarmos na carteira o dinheiro que bem entendermos confronta como o direito dos bandidos aos nossos haveres. Por isso, cada vez mais, agridem, maltratam e executam, friamente, quem deixa de cumprir seu dever de derrotado. Tornamo-nos súditos, sim, não do Estado brasileiro, mas daqueles que tomaram a Nação para si. Seja um bom discípulo da pedagogia que a esquerda nos proporcionou. Não desatenda as demandas dos bandidos. O leão da Receita é muito mais manso.

Zero Hora, 4 de maio de 2013


RESPEITEM A HISTÓRIA!
Percival Puggina

Durante a maior parte do século 20, as organizações comunistas sequer cogitavam tomar o poder por outro modo que não a luta armada. A dúvida era sobre onde começá-la. No campo ou na cidade? Marx, com aquela segurança de quem julga conhecer tanto o futuro que o descreve como déjà vu, previra o protagonismo do operariado. Os fatos, também nisso, o desmentiram. Era no campo que as coisas aconteciam numa época em que aqueles movimentos não apostavam no carteado do jogo democrático. Aliás, abominavam-no. A ditadura do proletariado exigia virar a mesa e sair no braço. Por isso, desde os anos 20, planejavam e ensaiavam levantes armados. A sirene de alarme disparou mais intensamente, no Brasil, nos anos 60, quando Fidel passou a exportar revolução. Desde então, a Guerra Fria ferveu em todos os países da região. Respirava-se revolução. Março de 1964 teve tudo a ver com isso.
Na Europa e nos Estados Unidos, a Guerra Fria se travava entre dois lados. EUA versus URSS. Pacto de Varsóvia versus Otan. Na América Latina, era pior. Era ebulição interna, fervente, no âmbito de cada país. Dê uma pesquisada na rede, leitor, e encontrará o que vários historiadores comunistas escreveram sobre aquele ânimo revolucionário. Afirmar que a esquerda foi às armas como reação à repressão inverte as relações de causa e efeito.
Os crimes cometidos pelas partes _ violência, tortura, "justiçamentos", terrorismo, sequestros, abusos de poder e o empenho em preservá-lo por duas décadas, constrangem e revoltam. É história triste. Passado que não se pode mudar. Cabe aos pesquisadores, historiadores, jornalistas, com irrestrito acesso aos documentos, escrever essa história conforme cada um a sentir, compreender e interpretar. Mas é certo: tivessem os comunistas vencido, as 356 mortes de militantes e as 120 por eles causadas seriam multiplicadas por milhares.
A ideia de instituir uma Comissão da Verdade para "efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional" é disparate. Primeiro: porque a verdade não é coisa que se prometa entregar pronta e encadernada. É algo que se busca. A garantia de encontrar, portanto, é charlatanice. Segundo: porque conceder a uma só pessoa, a presidente Dilma, o poder de escolher, a ponta de dedo e caneta, seus sete auditores da História, empregando-os a soldo na Casa Civil, é _ isto sim! _ medo da verdade. Terceiro: porque aceitar tão unilateral encargo, assumindo-se como caminho, verdade e vida para os anais da História vale por confissão de falta de princípios. É emprestar o nome para uma farsa, em troca de dois vinténs de fama e contracheque. Quarto: por fim, o que menos interessa à Comissão é reconciliação. Reconciliação quem fez foi a festejada Anistia. Ampla, geral e irrestrita.
Nossos governantes não incluem a verdade na lista de seus amores. A evidência dispensa prova. Preferem encomendar versões. Nada sabem sequer do que fazem. Ignoram a verdade sobre o tempo presente e tratam de transfigurá-la no próprio passado. Com História não se brinca! Menos ainda se põe sob o braço e se sai andando com ela por aí, como se fosse coisa da gente. Não é. É História. Ponto. A nenhum partido político, a nenhum comissariado ou comissão é dado oficializá-la ao gosto ou usá-la como serventia. Ela não se presta, saibam, para transformar bandidos em heróis nem doutrinas totalitárias em faróis da democracia e do humanismo.

Zero Hora, 16 de junho de 2013
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* Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.

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