TRUCULÊNCIAS
INSTITUCIONAIS
Percival
Puggina
Entramos numa fase institucional
marcada pela truculência. Começam a tramitar leis e emendas à Constituição que
não visam o bem do país. São propostas que só se viabilizam por expressarem
ressentimentos, desejos de vingança e projetos de poder. A Proposta de Emenda à
Constituição Nº 33 (PEC 33), por exemplo, aponta um problema real, mas atira
belicosamente nas asas do Supremo, que no entender dos seus subscritores alça
voos de intolerável autonomia (leia-se julgamento do mensalão). O velho
revanchismo rabugento volta e meia esquece o Lexotan e sai virando mesas e
cadeiras.
Outra PEC, a de número 37, pretende
mudar a Constituição para atribuir exclusivamente às instituições policiais as
tarefas de "apuração das infrações penais". Dessa exclusividade
decorre, principalmente, que o Ministério Público não poderá mais promover
investigações criminais. A proposta vai somando apoios graças à contrariedade
de muitos parlamentares com o protagonismo alcançado pelo MP em ações que
alcançam figuras poderosas da República. Pergunto: num país em que já se
estabeleceu, com lucros e dividendos, a soberania da alta criminalidade, nítido
poder paralelo, vencedor de todos os confrontos com a desguarnecida sociedade,
a quem interessa reduzir ainda mais a capacidade de investigação criminal?
Outra recente evidência desse modo
brutamontes de legislar, a toque de caixa, para a conveniência política do
momento, é fornecida pelo PL 4470/2012. Esse projeto impede que os deputados
que adiram a um novo partido possam carregar para ele as frações de tempo de
tevê e do Fundo Partidário que lhes corresponda. Como a criação do PSD convinha
ao governo, o partido nasceu em berço de ouro. Como o partido de Marina Silva
não interessa, tratam de abortá-lo. Que tal? Eram contra o Golbery, mas
aprenderam muito com ele! Transformado em lei esse projeto atropela e quebra as
pernas da ex-senadora que transitava em busca de espaço para a corrida
presidencial de 2014. O pesadelo atual de Dilma Rousseff, que vê surgir Eduardo
Campos dentro de seu quadrado é ter também Marina Silva colhendo votos na seara
do Norte e Nordeste do país.
O Brasil esgotou as possibilidades
de tomar jeito com o atual formato de suas instituições. Quem sabe juntar
"b" com "a" para fazer "ba" percebe isso. Império
da Lei, entre nós, poderia ser nome de escola de samba. Nosso modelo não
estimula condutas civilizadas. O governo legisla (e como! e quanto!). Os
congressistas se convertem em distribuidores de verbas. Não é sem motivo,
então, que se expande o ativismo judiciário, ou que a política se vai
judicializando. Os partidos se assemelham a agências de emprego e vão ficando
todos iguais. O Estado padece de hipertrofia e ineficiência. A administração
pública e o próprio Estado são permanentemente aparelhados pelo governo em
decorrência da fusão, em uma só pessoa, de três funções que obviamente são
distintas entre si. Os freios e contrapesos sugeridos pela ciência política
para contenção dos poderes de Estado se converteram em um sistema de preço e
sobrepreço. As relações internacionais não são pilotadas pelo interesse da
Nação, mas pelas afeições ideológicas do partido dirigente. Consagrou-se a
prática de perder a eleição e aderir ao vencedor. A oposição mirra. Uma usina
de escândalos opera em regime de 24 por 24 horas nos vários níveis do governo e
da administração.
Infelizmente, nossa vida institucional
continuará assim como a vemos, de mal a pior, enquanto permanecermos condenando
os fatos e concedendo alvará de soltura às causas.
Zero Hora, 5 de maio de 2013
PEDAGOGIA
DO CRIME
Percival
Puggina
A primeira e principal lição foi
sendo ministrada aos poucos. Era difícil, mas não impossível. Tratava-se de
fazer com que a sociedade ingerisse enrolada, como rocambole, a ideia de que a
criminalidade deriva das injustiças do modelo social e econômico. Aceita essa
tese, era imperioso importar alguns de seus desdobramentos para o campo do
Direito. Claro. Seria perverso tratar com rigor ditas vítimas da exclusão
social. Aliás, a palavra "exclusão" e seu derivado
"excluído", substituindo "pobre" e "pobreza",
foram vitais para aceitação da tese e sua absorção pelo Direito Penal.
Espero ter ficado claro aos
leitores que a situação exposta acima representa uma versão rasteira da velha
luta de classes marxista. Uma luta de classes por outros meios, travada fora da
lei, mas, paradoxalmente, sob sua especial proteção. Por isso, a impunidade é a
aposta de menor risco desses beligerantes. Por isso, no Brasil, o crime
compensa. Por isso, também, só os muito ingênuos acreditarão que um partido que
pensa assim pretenda, seriamente, combater a criminalidade. Afine os ouvidos e
perceberá o escandaloso silêncio, silêncio aliás de todos os poderes de Estado
sobre esse tema que é o Número Um entre nós. Ou não?
Portanto, olhando-se o tecido
social, chega-se à conclusão de que o grande excluído é o brasileiro honesto,
quer seja pobre ou não. O outro, o que enveredou para as muitas ramificações do
mundo do crime, leva vida de facilidades sabendo que tem a parceria implícita
dos que hegemonizam a política nacional. Nada disso estaria acontecendo sem tal
nexo.
Viveríamos uma realidade superior
se o governo construísse presídios, ampliasse os contingentes policiais e
equipasse adequadamente os agentes da lei, em vez de gastar a bolsos rotos com
Copa disto e daquilo, trem bala, mordomias, comitivas a Roma e por aí vai.
Viveríamos uma realidade superior se o Congresso produzisse um Código Penal e
um Código de Processo Penal não benevolentes, não orientados para o
descumprimento da pena, mas ordenados à sua rigorosa execução. Viveríamos uma
realidade superior se os poderes de Estado incluíssem entre os princípios
norteadores de suas ações a segurança da sociedade e os direitos humanos das
vítimas da bandidagem. Viveríamos uma realidade superior se o Direito
"achado nas ruas", que inspira ideologicamente a atuação de tantos
magistrados, fizesse essa coleta nas esquinas, mas ouvindo os cidadãos, os
trabalhadores, os pais de família, em vez de sintonizar a voz dos becos onde a
criminalidade entra em sintonia com a ideologia.
O leitor sabe do que estou
tratando aqui. Ele reconhece que, como escrevi recentemente, já ocorreu a
Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Perdemos a guerra. O crime já venceu.
Estamos na fase de requisição dos despojos que devem ser entregues aos
vencedores. Estamos pagando, em vidas,
sangue e haveres, a dívida dos conquistados. Saiba, leitor, que a parcela da
esquerda que nos governa há mais de duas décadas, mudando de nome e de pêlo,
mas afinada, em tons pouco variáveis pelo mesmo diapasão ideológico, está
convencida de que se trata disso mesmo. É a luta de classe por outros meios e
com outros soldados. Queixemo-nos ao bispo, se o bispo não cantar na mesma
toada.
É a pedagogia do crime. Ela já nos
ensinou a não reagir. Ela já nos disse que a posse de armas é privilégio do
bandido. Ela já advertiu os policiais sobre os riscos a que se expõem ao usar
as suas. Ela já nos mostrou que não adianta reclamar: continuaremos sem
policiais, sem presídios, sem uma legislação penal que sirva à sociedade e não
ao bandido. Isso tudo já nos foi evidenciado. Trata-se, agora, de entender
outras ordens do poder fora da lei. Devemos saber, por exemplo, que esse poder
se enfurece quando encontra suas vítimas com tostões no bolso. O suposto
direito nosso de carregarmos na carteira o dinheiro que bem entendermos
confronta como o direito dos bandidos aos nossos haveres. Por isso, cada vez
mais, agridem, maltratam e executam, friamente, quem deixa de cumprir seu dever
de derrotado. Tornamo-nos súditos, sim, não do Estado brasileiro, mas daqueles
que tomaram a Nação para si. Seja um bom discípulo da pedagogia que a esquerda
nos proporcionou. Não desatenda as demandas dos bandidos. O leão da Receita é
muito mais manso.
Zero Hora, 4 de maio de 2013
RESPEITEM A HISTÓRIA!
Percival
Puggina
Durante a maior parte do século
20, as organizações comunistas sequer cogitavam tomar o poder por outro modo
que não a luta armada. A dúvida era sobre onde começá-la. No campo ou na
cidade? Marx, com aquela segurança de quem julga conhecer tanto o futuro que o
descreve como déjà vu, previra o protagonismo do operariado. Os fatos, também
nisso, o desmentiram. Era no campo que as coisas aconteciam numa época em que
aqueles movimentos não apostavam no carteado do jogo democrático. Aliás,
abominavam-no. A ditadura do proletariado exigia virar a mesa e sair no braço.
Por isso, desde os anos 20, planejavam e ensaiavam levantes armados. A sirene
de alarme disparou mais intensamente, no Brasil, nos anos 60, quando Fidel passou
a exportar revolução. Desde então, a Guerra Fria ferveu em todos os países da
região. Respirava-se revolução. Março de 1964 teve tudo a ver com isso.
Na Europa e nos Estados Unidos, a
Guerra Fria se travava entre dois lados. EUA versus URSS. Pacto de Varsóvia
versus Otan. Na América Latina, era pior. Era ebulição interna, fervente, no
âmbito de cada país. Dê uma pesquisada na rede, leitor, e encontrará o que
vários historiadores comunistas escreveram sobre aquele ânimo revolucionário.
Afirmar que a esquerda foi às armas como reação à repressão inverte as relações
de causa e efeito.
Os crimes cometidos pelas partes _
violência, tortura, "justiçamentos", terrorismo, sequestros, abusos
de poder e o empenho em preservá-lo por duas décadas, constrangem e revoltam. É
história triste. Passado que não se pode mudar. Cabe aos pesquisadores,
historiadores, jornalistas, com irrestrito acesso aos documentos, escrever essa
história conforme cada um a sentir, compreender e interpretar. Mas é certo:
tivessem os comunistas vencido, as 356 mortes de militantes e as 120 por eles
causadas seriam multiplicadas por milhares.
A ideia de instituir uma Comissão
da Verdade para "efetivar o direito à memória e à verdade histórica e
promover a reconciliação nacional" é disparate. Primeiro: porque a verdade
não é coisa que se prometa entregar pronta e encadernada. É algo que se busca.
A garantia de encontrar, portanto, é charlatanice. Segundo: porque conceder a
uma só pessoa, a presidente Dilma, o poder de escolher, a ponta de dedo e
caneta, seus sete auditores da História, empregando-os a soldo na Casa Civil, é
_ isto sim! _ medo da verdade. Terceiro: porque aceitar tão unilateral encargo,
assumindo-se como caminho, verdade e vida para os anais da História vale por
confissão de falta de princípios. É emprestar o nome para uma farsa, em troca
de dois vinténs de fama e contracheque. Quarto: por fim, o que menos interessa
à Comissão é reconciliação. Reconciliação quem fez foi a festejada Anistia.
Ampla, geral e irrestrita.
Nossos governantes não incluem a
verdade na lista de seus amores. A evidência dispensa prova. Preferem
encomendar versões. Nada sabem sequer do que fazem. Ignoram a verdade sobre o
tempo presente e tratam de transfigurá-la no próprio passado. Com História não
se brinca! Menos ainda se põe sob o braço e se sai andando com ela por aí, como
se fosse coisa da gente. Não é. É História. Ponto. A nenhum partido político, a
nenhum comissariado ou comissão é dado oficializá-la ao gosto ou usá-la como
serventia. Ela não se presta, saibam, para transformar bandidos em heróis nem
doutrinas totalitárias em faróis da democracia e do humanismo.
Zero Hora, 16 de junho de 2013
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* Percival Puggina (68) é arquiteto,
empresário, escritor, titular do site www.puggina.org,
colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de
Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões.