quinta-feira, 30 de maio de 2013

CARTA DO SR. MARCO ANTONIO BOMPET AO “JORNALISTA” LUIZ GARCIA DO JORNAL “O GLOBO”.  ESSA CARTA NÃO FOI (E NEM SERÁ) PUBLICADA.

“Em razão da coluna do Sr. Luiz Garcia em  O Globo  de hoje enviei esta mensagem abaixo. Claro que não é destinada a publicação, é apenas uma manifestação que me julguei no dever de fazer na qualidade de permanente estudante de História. Tive o cuidado de não tomar partido político no assunto, apenas de defender a ciência histórica.

 Obviamente será ignorada pelo jornal e pelo articulista, mas não me importa, fiz aquilo que julguei necessário fazer e posso dormir tranquilo com minha consciência.

 Marco Antonio Bompet


 
Ao Sr. Luiz Garcia

Política e História, como sabemos, são campos distintos, sendo o primeiro caracterizado por ideias e iniciativas voltadas para a tomada e manutenção do poder, enquanto o segundo destina-se à elucidação da verdade de fatos pretéritos.
 
Contudo, frequentemente, agentes políticos tentam manipular a História para o alcance de seus propósitos e são sempre perigosos, para a ciência histórica, os trabalhos realizados sem um adequado tempo de “decantação” dos fatos, que nos permita uma avaliação técnica, neutra e isenta.
 
Assim fizeram Edward Gibbon, Arnold Toynbee, Will Durant, Fernand Braudel, George Dubuy, David Landes e tantos outros renomados historiadores. Uma pesquisa e análise de fatos históricos relativamente recentes revela-se, usualmente, impregnada de paixões e interesses dos diversos atores da cena histórica, não raramente comprometedoras da veracidade.
 
Quando uma chamada Comissão Nacional da Verdade investiga fatos relacionados a dois grupos em aberto litígio, restringindo seu trabalho a um dos lados e ocultando deliberadamente o outro, certamente não tem como propósito o enriquecimento da História e, de fato, presta um desserviço à ciência histórica.

Como também sabemos, a meia-verdade costuma ser mais nefasta do que a mentira, esta mais fácil de ser desmontada. Se a finalidade da comissão, como afirma V.Sa., é “relatar o que aconteceu, simplesmente para evitar que aconteça novamente”, fica sem sentido uma apuração apenas parcial da realidade.

Pode contribuir para a disputa política, para eventual auferimento de ganhos financeiros por parte de alguns, mas definitivamente não para o conhecimento histórico, completo, abrangente e necessário. No caso específico, “jogar para debaixo do tapete” os crimes, alguns bárbaros, cometidos pelos grupos revolucionários os legitima na prática. Isso a mim parece grave. Legitimar, por ocultação deliberada, crimes de atentados a bomba, assassinatos de inocentes, tortura, sequestros, “justiçamentos” e outros parece inadequado para a compreensão do passado e construção de uma nação democrática, além de se constituir em desonestidade intelectual para com o estudo da História.
 
Quanto à revisão do ensino da História nas academias militares, confesso que não tenho ideia de como ocorra esse ensino, mas o Sr. Paulo Sérgio Pinheiro demonstrou um espantoso grau de desinformação sobre a História do século XX ao desconhecer, pelo menos pelo que afirmou, a existência do fenômeno da Guerra Fria. Classificou como “conto da carochinha” as tentativas de tomada de poder por grupos de ideologia marxista-leninista, por métodos revolucionários, no Brasil.
 
Custo a crer que esse, aparentemente, alienado senhor não tenha tido conhecimento de toda a evolução dos principais acontecimentos políticos da segunda metade do século passado, iniciado com o bloqueio de Berlim em junho de 1948, seguido de Guerra da Coreia, invasão da Hungria em 1956, tomada do poder em Cuba por Castro em 1959, Crise dos Misseis de 1962, apenas para citar os principais. Não posso crer também que que o Sr. Pinheiro desconheça que a explosão, pelos soviéticos, em 1949 de sua primeira bomba atômica e os desenvolvimentos nos armamentos nos anos seguintes, tornou suicídio coletivo a eclosão de uma guerra entre as duas superpotências líderes de sistemas político-econômicos antagônicos e em confrontação.

A consequência disso, sabidamente para quem estuda História, foi o principal palco de disputa mover-se para as áreas periféricas, a saber, SE da Ásia, África e América Latina. Acontecer a disputa também por aqui era absolutamente óbvio, principalmente depois da chegada do grupo de Fidel Castro ao poder em 1959. Esse fato estimulou os grupos radicais existentes no país, de um lado e do outro, e o Sr. Pinheiro parece não ter tido conhecimento dos “Grupos dos Onze”, “Ligas Camponesas” de Francisco Julião e toda a efervescência política que por aqui se viveu nos anos que antecederam 1964.
 
Talvez também não saiba ele da  Revolta dos Sargentos  de Brasília, da  Revolta dos Marinheiros no Sindicato dos Metalúrgicos , da Reunião dos Sargentos no Automóvel Club do Brasil, com apoio do Presidente da República, para crítica aos comandantes militares e tantos outros episódios marcantes da época. Era o clima da Guerra Fria entre nós e os radicais dos dois lados se movimentavam com maior ou menor exposição, mas se movimentavam muito.
 
Para o Sr. Pinheiro isso não aconteceu! Ele também demonstrou, na declaração, não saber que o governo de Juscelino ocorreu inteiramente dentro do período da Guerra Fria! E se julga no direito de propor revisão de ensino de História, ele que, aparentemente, é pouquíssimo ilustrado nessa ciência. Ademais, nada é mais desonestidade intelectual do que, na ciência histórica, descontextualizar fatos. Qualquer estudante de História sabe disso.

A Comissão da Verdade parece a mim uma ótima oportunidade desperdiçada para a revelação de fatos históricos, contaminada que está, desde o nascedouro, pelo viés político e revanchista, que nada contribui para a História; mais parece um comitê stalinista para reescrever os fatos passados de modo conveniente ao governante do presente.
 
Uma comissão séria seria constituída basicamente por historiadores reconhecidamente idôneos e não por interessados, direta ou indiretamente, em resultados políticos. Para que contribuísse efetivamente para que fatos semelhantes não venham a se repetir, a comissão teria que apurar toda a verdade, fazer História, e não fazer Política, como se evidencia.

Atenciosamente

 
Marco Antonio Bompet

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